Limão: a cura azedinha






Por: Rose Aielo Blanco*

"No Brasil, o limão tornou-se muito popular no período em que o país foi atingido pela Gripe Espanhola, em 1918

Esta fruta frequenta praticamente todas as cozinhas. É útil para tantas coisas, que fica difícil citá-las. Além disso, é a fruta mais conhecida no mundo. Se você pensou no limão, acertou!

Originário da região sudeste da Ásia, ele saiu da Pérsia, levado pelos conquistadores árabes, por volta do século V e então espalhou-se pela Europa. A partir daí, o limão apareceu com destaque em vários capítulos da nossa história.

Há quem diga, no entanto, que os antigos romanos conheciam muito bem esta fruta e já a utilizavam como remédio. O famoso naturalista Plínio registrou seu uso contra náuseas e perdas de sangue na gravidez.

Em muitos registros, verifica-se que foi o limão a fruta utilizada nos navios ingleses em 1742 para combater uma terrível doença que atacava os marinheiros: o escorbuto. A doença é desencadeada pela carência de vitamina C (ou ácido ascórbico) no organismo e era bem comum entre os marinheiros, que passavam meses em alto mar sem ingerir frutas e verduras frescas. Estes alimentos – excelentes fontes de vitamina C – por serem muito perecíveis, não faziam parte do estoque das embarcações. O resultado é que os marinheiros eram afetados pelo escorbuto e muitos deles acabavam morrendo.

No Brasil, o limão tornou-se muito popular no período em que o país foi atingido pela Gripe Espanhola, em 1918. Causada pelo vírus Influenza H1N1, a Gripe Espanhola foi uma pandemia que provocou a morte de 50 milhões de pessoas no mundo. Para se ter uma idéia do estrago que causou no período de 1918 a 1919, o número de vítimas equivale a mais que o dobro de mortos nos 4 anos da 1ª Guerra Mundial.  A pandemia vitimou no Brasil cerca de 35 mil pessoas, entre elas o presidente da época, Rodrigues Alves (1848-1919).

Aqui no Brasil, o limão era usado como um recurso natural para combater essa gripe, sendo que naquela época, ele atingiu preços muito elevados, chegando a ser vendido por 10 a 20 mil réis a unidade! Num artigo publicado em julho de 2007, na Histórica – Revista do Arquivo do Estado de São Paulo – Leandro Carvalho Damacena Neto destaca:

“Na memória dos contemporâneos da epidemia de influenza espanhola, obtemos informações mais precisas sobre os remédios populares. A partir daí percebemos a grande ascensão que teve a medicina popular naquele ano para o tratamento da doença de gripe:
- Foi uma gripe tão agressiva que já não davam conta de fazer remédios. Só limão. Numa certa hora acabaram também os limões em São Paulo. Eu comia pouco, só tomava água com limão. (BOSI apud BERTOLLI FILHO: 1986, p. 159 )
A utilização de produtos naturais pelos enfermos se tornou uma crença na cura da doença, grande parte da população tinha em produtos como o limão, o alho, o quinino, e o sal, a única esperança para curar e prevenir a gripe espanhola”.

O limão era usado até mesmo com a aguardente como medicamento preventivo da moléstia:
”O botequim da rua do Thesouro e a Casa Pomona, no Largo da Sé, passam os dias repletos. Estranhando esse fato, procuramos saber a sua causa. Entramos no Pomona, dispostos a dar dois dedos de prosa com qualquer dos garçons. Não foi necessário. Um apreciador da branquinha, que entoava desafinadamente a “Pinga com Limão, Cura a urucubaca”, forneceu-nos indiretamente a explicação que buscávamos. Pinga com limão, si cura a urucubaca, também pode curar a influenza”.


Naquela época, junto com o limão, outros produtos como canela, folhas de eucalipto, alho e cebola foram amplamente empregados. Alguns deles chegaram inclusive a ser industrializados.

No livro "Influenza, a medicina enferma: ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola", Liane Maria Bertucci destaca:

“Singular entre os vegetais utilizados pela população brasileira nos mais variados períodos era o limão, sorvido puro ou com sal ou tomado em gotas misturadas na água, a fruta era destaque entre os remédios populares, mas também freqüentava os livros de medicina como ácido cítrico. O limão estava, de uma forma ou de outra, incorporado aos dois universos de cura. O Dicionário de Medicina Popular, de Chernoviz, por exemplo, enumerava as virtudes do “limão azedo”: descrito como uma fruta empregada na medicina e na arte culinária, de cuja casca podia ser feito um chá usado durante várias enfermidades para provocar a transpiração. (1851. v.2, p.477) O Formulário e Guia Médico do mesmo Chernoviz que, segundo seu autor, era indicado para médicos, ao descrever o ácido cítrico informava: “Existe no limão, laranja e muitas outras frutas azedas. (...) Emprega-se em lugar de sumo de limão para a preparação das limonadas, atua então como temperante.”
E prossegue:
“O uso do limão como panacéia por doutores e leigos era antigo no Brasil. Quando o cólera flagelou norte e nordeste do país e ameaçou o Recife em 1856, foram publicados versos nos jornais da cidade louvando o valor da fruta no combate à doença e a Comissão de Higiene de Pernambuco indicou o suco de limão como antídoto à terrível moléstia. No mesmo período, em Belém, médicos empregaram o sumo do limão, puro ou diluído em água, às colheradas, na tentativa de curar seus pacientes; eles copiavam aquilo que, segundo a população, alguns pescadores índios haviam feito com um colega doente de cólera que estava à beira da morte”.

Panacéia azedinha




O limão tem um sabor azedinho, bem característico, pois é rico em ácido cítrico, considerado ótimo auxiliar no combate a gripes e resfriados e que também ajuda a regularizar as taxas de colesterol. Além disso, o limão é excelente fonte de vitamina C, muito importante para combater as infecções, pois aumenta a resistência do organismo. Contém ainda vitamina A e vitaminas do complexo B, além de sais minerais, como cálcio, fósforo e ferro. Na fitoterapia o limão é utilizado como coadjuvante no tratamento de reumatismo, infecções, gripes, dores de garganta, ácido úrico, problemas digestivos, aftas e afecções da bexiga e dos rins. O suco de limão é um ótimo tônico e bactericida, além de elhorar o aproveitamento do cálcio pelo organismo.

Tanto na fitoterapia como na medicina popular, as propriedades do limão são valorizadas: acredita-se que o limão age no organismo exercendo uma ação purificadora e regeneradora, ajudando a prevenir muitas doenças por eliminar as toxinas e acidez da corrente sanguínea. Sua ação seria também poderosa atuando nas paredes internas das artérias, ajudando a dissolver gordura. Explica-se: o limão contém um óleo cítrico com alto teor de monoterpenos, ou seja, moléculas que penetram em todos os tecidos e células, com grande ação solvente de gorduras. Ele também é rico em d-limoneno que, segundo comprovam algumas pesquisas, tem propriedades anticancerígenas e é solvente de cálculos e entupimentos nas artérias, além de descongestionar o fígado, após a ingestão de álcool e de alimentos gordurosos.

Cultivo

Existem cerca de 70 variedades de limão – algumas são bem conhecidas, como o taiti, galego, siciliano e cravo – outras nem tanto, como o limão lisboa e o gênova.
Sua popularidade pode também ser atribuída à facilidade de cultivo: árvore rústica, o limoeiro pode fazer parte até mesmo de um pomar doméstico, crescendo bem em espaços reduzidos ou ainda em vasos grandes, desde que o solo seja fértil e bem irrigado.

A planta não é muito ramificada e pode atingir até 6 metros de altura. As flores, que surgem em formato de cachos, são brancas e violetas.





Ficha da Planta

Nomes populares: limão, limão-verdadeiro, limoeiro
Nome Científico: Citrus limon L., Citrus limonum
Família: Rutáceas
Origem: Ásia Tropical
Plantio: no período das chuvas
Solo: férteis e arejados, com pH entre 5,5 e 6,5
Clima ideal: temperatura entre 23 e 32 graus
Colheita: após três anos de cultivo







Composição

Limão tahiti
(valores para cada 100 gramas da fruta)

Calorias: 32Kcal
Cálcio: 51mg
Proteína: 0,9g
Magnésio: 10mg
Carboidrato: 11,1g
Fósforo: 24mg
Vitamina C: 38,2 mg
Potássio: 128 mg

Fonte: Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO)

Cuidado!

O suco e a casca do limão contêm substâncias fotossensíveis que em contato com raios solares podem provocar manchas escuras na pele, escamações e até queimaduras mais sérias.




Fontes de Pesquisa:
A “medicina popular” durante a epidemia de gripe espanhola de 1918 no município de São Paulo, Leandro Carvalho Damacena Neto
BERTOLLI FILHO, Cláudio. Epidemia e Sociedade: a gripe espanhola no município de São Paulo. SP,
BERTUCCI, Liane Maria. “Conselhos ao Povo”: Educação contra a Influenza de 1918.
GOULART, Adriana da C. Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. Hist., ciênc., saúde. Manguinhos, vol. 12, n. 1, p. 101-42, jan.-abr. 2005.
Influenza, a medicina enferma: ciência e práticas de cura na época da gripe espanhola em São Paulo, de Liane Maria Bertucci. Campinas: Editora Unicamp, 2004. 442 pp.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP.


* Rose Aielo Blanco é jornalista, escritora, paisagista e criadora do site  www.jardimdeflores.com.br


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